“A Transpsicomotricidade vem a ser um estudo complexo sobre o movimento humano, enquanto ação sobre o mundo interno e externo, buscando compreender a multidimensionalidade do ser nessa relação.” (Lovisaro,2000)
Prof. Eduardo Costa (UERJ – EDU - Profª. Drª. Martha Lovisaro (UERJ – EDU - lovisaro@terra.com.br)
A proposta moriniana de um olhar poliocular, assim como as premissas da transdisciplinaridade retiram a prática psicomotora de um nicho disciplinar – mesmo que em sua origem tenha sempre apresentado uma estrutura interdisciplinar – e amplificam seu potencial de contribuição à compreensão da condição humana, em especial, em seus discursos não verbais, ainda pouco explorados por outros campos de atuação educacional e terapêutica.
Quando constatamos em vários autores a afirmação do corpo como matriz da conformação de nossa identidade, como chave da transmutação de nosso “habitus” (Bourdieu, 1999), percebemos que a prática psicomotora, uma prática voltada para o âmbito relacional, revalorizando as interações com o próprio corpo, a capacidade de transformar-se, o prazer do vincular-se, tem um papel singular no conjunto de movimentos necessários à possibilidade de rever a dominação a que estamos todos submetidos e na descoberta de saídas mais pertinentes para as dificuldades do planeta e seus habitantes.
Esta prática vai trazer suas contribuições nas áreas da Profilaxia, Educação e Clínica, classificação didática, que diferencia, mas não deve disjuntar o objeto de estudos da Transpsicomotricidade: o corpo do sujeito em movimento em suas múltiplas interações.
No âmbito da Profilaxia, podemos perceber a importância da intervenção com o casal grávido, facilitando a elaboração física e emocional da chegada de um novo bebê; temos também a atuação em creches, nos berçários (0 a 3 meses), através da orientação e preparação das equipes para atender às demandas manifestas nos discursos não-verbais dos bebês e denunciando a rede de interações e retro-interações; nos hospitais, auxiliando bebês, crianças, adolescentes e suas famílias, através do brincar e do tocar, na travessia da situação de internação, além de contribuir para a humanização dos serviços através do convite ao diálogo transdisciplinar, em prol do reconhecimento da singularidade complexa dos sujeitos hospitalizados e suas necessidades.
Na Educação, a prática transpsicomotora atua em creches, escolas e empresas, favorecendo o desenvolvimento, facilitando a aprendizagem, auxiliando na maturação do pensamento através da ação e prevenindo distorções além de contribuir na compreensão transdisciplinar do contexto ecológico-econômico-relacional em que se encontram inseridos os sujeitos dos processos pedagógicos.
Na Clínica temos objetivos comuns às outras terapias, ou seja, resgatar a unidade do sujeito com dificuldades, em seu encontro com o mundo, através de um olhar/escuta para os discursos corporais, acompanhando-o em sua expressividade multidimensional. Sempre de forma à aceitar a complexidade do sujeito e a necessidade da auto-crítica constante, na lógica do terceiro termo incluso.
A tradição intervencionista, disciplinar, resiste intensamente às primeiras reflexões sobre a incerteza, o erro, o acaso - irredutíveis segundo as reflexões dos teóricos da complexidade - a tendência à normalização, a valoração profissional pela capacidade de melhor adequar os desviantes, tudo colabora para as dificuldades na modificação de condutas, em prol da abertura de espaços para que o sujeito possa agir e encontrar-se.
Tudo gira em torno de nossa própria capacidade e nossas dificuldades em tornarmo-nos maleáveis.
Capazes de “conversar”, “abraçar”, “amar” a nós próprios e aos outros, como diz Mariotti (2002).
Saber interagir os contraditórios através do pensamento inclusivo do terceiro termo. Esta tarefa é árdua para séculos de pensamento positivista, inscritos em nossos gestos/pensamentos.
A pratica Transpsicomotora na educação-saúde
Para que se possa ter maior clareza sobre a formação e sua prática, podemos incursionar por alguns pontos que permitem à transpsicomotricidade encontrar seus próprios contornos, qualificando-a.
Assim, podemos entender a prática em transpsicomotricidade tendo dupla atuação; na construção e na reconstrução das estruturas que irão permitir a unicidade do humano, entendida como esquema de um corpo físico entrelaçado a uma imagem resultante da subjetividade de suas próprias percepções, isto significa dizer: na unidade perdida ou ameaçada onde a construção e ou reconstrução será o reflexo da ação transpsicomotora, garantindo a unidade corpo-psíquica.
Para tal tarefa, esta pratica não se fecha em objetivos a alcançar, mesmo que esses objetivos partam do sujeito, objeto de ajuda, o que por si só denota uma nova forma de orientar a pratica, quer esteja ela no campo da educação ou da saúde, mesmo porque, estas também buscam a unidade que o pensamento ocidental fragmentou por incompreensão entre estudar, aprofundar conhecimentos, desconstruir paradigmas, avançar, e o ato práxico de aplicar o conhecimento adquirido, não no isolamento de suas próprias descobertas, mas na expansão de suas ações conjugadas com outros campos, agindo assim de forma transdisciplinar.
Esta nova forma de orientação práxica, no campo das intervenções corporais, assenta-se simplesmente no fato de que mudamos a cada momento e isso está em consonância com a própria natureza humana e as possibilidades perceptuais que conduzem a “irrealidade” do dito “real”, como nos aponta a fenomenologia.
Em assim sendo, entendemos que objetivos devem ter e têm a condição da mutabilidade, dessa forma como conviver com a construção, resultado de um fazer!
Objetivos demandam ação sobre o meio, se eles são transformáveis, as ações também o serão. Assim, o exercício transpsicomotor é uma construção/reconstrução só igualável aos objetivos/desejos que se queira atingir. Conviver com essa liberdade de agir quando o corpo se deixa permanecer no aprisionamento do tempo/espaço que lhe dá sentido é transgredir uma lei que só a mente escrava perpetuou.
Ter a possibilidade de mudar objetivos e ações, não se perdendo no rastro do desejo, mesmo que o caos ocorra, é permitir o exercício de reconstrução e organização de um corpo que não se abstém e muito menos se perpetua nas amarras do que lhe dá sentido e na relação com o seu próprio eu/não eu. Entre o ser/corpo e o estar/corpo, mediado pelo tempo que não pode ser sem o espaço, será, talvez, o lugar do encontro da unicidade do ser, enquanto que a falta de existência desse corpo, fora do tempo e do espaço, desse não ser, significa abdicar do sentido maior, do sentido da própria existência. A clareza e a possibilidade de viver essa mediação, se dá através da ação corporal, no espaço de liberdade, onde o corpo possa ser/estar, orientado por um espaço/tempo que lhe é próprio, permitindo expandir o quanto possa e, nessa expansão, negar-se a ser pequeno.
Nesse espaço expansivo e de ação, o objeto traz a representação, evoca o passado através do presente, e este por sua vez denuncia o futuro; a circularidade se faz presente, não no movimento do enclausuramento, mas na direção da espiral, e o desenvolvimento assim se faz na organização/reorganização. O objeto aqui deve ser entendido como o próprio corpo ou o corpo do outro ou objetos comuns, matéria com forma, que permitem por sua presença, a evocação de lembranças e representações advindas das redes perceptuais dando sentido a ação e direção ao ato motor.
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O local dessa prática nega-se a ser apenas o lugar da sala padronizada para essa modalidade de práxis corporal, ele deve ser um local que atravesse e siga adiante, no sentido de uma perspectiva que leve em conta o homem, a sociedade e a natureza, integrados que estão no plano ecológico. O indivíduo precisa ser reconhecido na família, na instituição de ensino que freqüenta, nos grupos de encontro, no trabalho e na natureza que lhe garante a existência, desenvolvendo dessa forma uma visão não fragmentada do homem enquanto ser planetário, desse homem da razão e da intuição, das sensações e dos sentimentos onde a busca do equilíbrio entre essas funções determinará sua educação/saúde.
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